A utilização inadequada dos níveis de atenção no Sistema Único de Saúde representa um desafio constante para gestores e profissionais da área. Este artigo apresenta o desenvolvimento de uma ferramenta educativa gamificada que tem demonstrado resultados promissores na orientação de usuários sobre os fluxos assistenciais adequados.
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Contextualização do Problema
O Sistema Único de Saúde (SUS) estrutura seus serviços em três níveis hierarquizados: Atenção Primária, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais gerais 1. Contudo, a população frequentemente busca serviços inadequados para suas necessidades - procurando urgências e emergências para condições simples ou unidades básicas para casos complexos. Essa utilização incorreta compromete a qualidade assistencial e eleva custos operacionais 2. Dados recentes do Tribunal de Contas da União evidenciam eficiência hospitalar de apenas 32% a 50% entre 2019 e 2024, indicando desperdício significativo de recursos humanos e estruturais 3.
Esta realidade evidencia a necessidade de estratégias educativas que fortaleçam a literacia em saúde da população, capacitando-a para decisões mais assertivas sobre quando e onde buscar atendimento. A gamificação surge como uma abordagem promissora, deslocando o usuário para o centro do processo de aprendizagem de forma interativa e engajadora.
Desenvolvimento da Ferramenta Educativa
Concepção e Planejamento
O desenvolvimento do baralho educativo partiu da observação sistemática das dúvidas mais frequentes apresentadas pelos usuários nas unidades de saúde. A equipe envolvida no projeto foi composta por dois internos de medicina: Alexandre Borges Filho (I1) e Renan Leão (I2).
A escolha pelo formato de baralho considerou fatores como portabilidade, durabilidade, facilidade de manuseio e familiaridade cultural com jogos de cartas. O número de 16 cartas foi definido como ideal para abordar de forma ágil algumas situações clínicas relevantes.
Estrutura e Composição das Cartas
O baralho foi estruturado em duas categorias principais:
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Cartas de Situações Clínicas (13 unidades):
- 5 situações melhor abordadas na UAPS (fundo verde)
- 5 situações melhor abordadas na UPA (fundo amarelo)
- 3 situações melhor abordadas na emergência hospitalar (fundo vermelho)
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Cartas de Locais de Atendimento (3 unidades):
- Cada carta representa um dos três níveis de atenção em saúde.
Princípios de Design e Comunicação Visual
Cada carta foi desenvolvida seguindo princípios de comunicação visual universal, incorporando:
- Imagens icônicas: Ilustrações simples, claras e familiares.
- Código de cores: Sistema intuitivo baseado no semáforo (verde, amarelo, vermelho).
- Pouca utilização de texto: Para garantir uma maior compreensão, independente de idade ou escolaridade.
- Símbolos complementares: Ícones que reforçam a mensagem principal.
Esta abordagem multimodal garante a compreensão por usuários alfabetizados e por aqueles com limitações de letramento, promovendo verdadeira inclusão educativa.
Metodologia de Aplicação
Estrutura da Atividade Educativa
A implementação segue um protocolo padronizado mas flexível, com duração total de 30 minutos divididos em três fases:
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Aquecimento (5 minutos): Apresentação da equipe, das cartas e da dinâmica, criando um ambiente acolhedor para a atividade.
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Dinâmica Principal (20 minutos):
- Exposição das cartas de níveis de saúde pelos facilitadores.
- Apresentação uma a uma das cartas de situações clínicas em ordem aleatória.
- Correlação entre cada carta-situação com o nível de atenção ideal para tratá-la.
- Discussão mediada ativamente pelos facilitadores com esclarecimentos e contextualização local.
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Debriefing (5 minutos): Orientações finais e esclarecimento do objetivo do jogo educativo (reduzir a lotação de serviços e o tempo de espera), além de momento para sanar dúvidas.
Gabarito do Baralho
Papel do Facilitador
O facilitador assume posição central no sucesso da atividade, atuando como mediador da construção coletiva do conhecimento. Diferentemente de abordagens tradicionais, a metodologia proposta valoriza:
- Escuta ativa das percepções dos participantes.
- Contextualização das situações à realidade local.
- Correção respeitosa de equívocos conceituais.
- Estímulo à participação de todos os envolvidos.
Há circunstâncias em que o local ideal que o paciente deve buscar varia. Por exemplo, se o paciente reside perto de uma UPA e tem condições de ser levado até ela com agilidade, esse nível pode fazer o encaminhamento para o hospital com maior eficiência do que esperar a ambulância. Também é possível que a UAPS tenha infraestrutura para receber situações idealmente resolvidas em UPA. Essas condições variam conforme a região e residência do paciente, mas o que está sendo ensinado com a dinâmica é o fluxo ideal para algumas situações clínicas.
Protocolo de Replicação
Disponibilização do Material
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O material está disponibilizado sob a licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial-Compartilha Igual 4.0 Internacional (CC BY-NC-SA 4.0). Em suma, esta licença permite ampla disseminação e adaptação do baralho para propósitos educacionais e informativos, desde que os autores sejam devidamente reconhecidos, não haja exploração comercial e as obras resultantes mantenham as mesmas condições de licenciamento.
Materiais e Recursos Necessários
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Especificações Técnicas:
- Papel cartão 250g/m² ou similar para durabilidade.
- Dimensões padrão de cartas de baralho (6,3 x 8,8 cm).
- Plastificação ou verniz protetor para resistência ao manuseio (opcional).
- Impressão colorida em alta resolução.
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Recursos Humanos:
- Profissionais de saúde agindo como facilitadores.
- Profissionais de saúde locais auxiliando na adequação dos comentários à realidade local.
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Investimento Estimado: O custo de produção de um jogo completo varia entre R$ 20 a R$ 30, dependendo da qualidade dos materiais e gráfica escolhida, representando excelente custo-benefício para uma ferramenta educativa.
Perspectivas Futuras
Expansão e Adaptações
O modelo básico permite diversas adaptações:
- Adaptações para populações específicas (rurais, indígenas, etc.).
- Expansão para outros temas de saúde (prevenção, autocuidado, etc.).
- Integração com outras ferramentas educativas.
Considerações Finais
O desenvolvimento e implementação deste baralho educativo representam uma contribuição concreta para o fortalecimento da literacia em saúde no contexto do SUS. A ferramenta demonstra que é possível criar soluções simples, de baixo custo e alta efetividade para problemas complexos do sistema de saúde.
A disseminação desta e de outras tecnologias educativas similares pode contribuir significativamente para a otimização dos fluxos no SUS, beneficiando tanto usuários quanto profissionais e gestores do sistema. O caminho para um sistema de saúde mais eficiente passa necessariamente pelo empoderamento e educação de seus usuários.
Este artigo baseou-se em experiência prática desenvolvida em unidades de atenção primária à saúde. Para mais informações sobre implementação ou adaptações da ferramenta, entre em contato com os autores.
Referências
- FRASÃO, G.; RIBEIRO, K. Atenção Primária e Atenção Especializada: Conheça os níveis de assistência do maior sistema público de saúde do mundo. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/marco/atencao-primaria-e-atencao-especializada-conheca-os-niveis-de-assistencia-do-maior-sistema-publico-de-saude-do-mundo. Acesso em: 16 jun. 2025.
- SOUZA, L. C. de; AMBROSANO, G. M. B.; MORAES, K. L.; FONSECA, E. P. da; MIALHE, F. L. Fatores associados ao uso não urgente de unidades de pronto atendimento: uma abordagem multinível. Cadernos Saúde Coletiva, v. 28, p. 56–65, 9 abr. 2020.
- SAMPAIO, F. TCU: eficiência hospitalar do SUS se manteve estável entre 2019 e 2024. Radioagência Nacional. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2025-04/tcu-eficiencia-hospitalar-do-sus-se-manteve-estavel-entre-2019-e-2024. Acesso em: 16 jun. 2025.